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Como a reparação brasileira se prepara para os carros híbridos e elétricos

Ao que tudo indica, isso não será tão rápido. No entanto, há bons exemplos no setor de empresários que largaram na frente  

A frota de veículos híbridos e elétricos no Brasil ainda é pequena, mas a tendência é que ela cresça, e na reparabilidade há grandes mudanças, principalmente na questão de segurança. Algumas oficinas já estão à frente, outras estão buscando capacitação, mas ao que tudo indica, ainda de forma incipiente. E há um longo caminho a percorrer.

Em parceria com algumas montadoras, a Escola SENAI “Conde José Vicente de Azevedo”, no bairro do Ipiranga, em São Paulo (SP), oferece capacitação de profissionais do segmento de reparação de veículos elétricos e híbridos. “Nessa fase de disseminação das tecnologias dos veículos eletrificados, a demanda ainda é pequena e, naturalmente, restrita à rede de serviços autorizados das montadoras”, diz o professor João Domingos Chiari Sanchez. 

Ele antecipa que a partir do próximo ano a previsão é que a escola disponibilize um curso de Pós-Graduação em Veículos Híbridos e Elétricos. Mas a demanda ainda é pequena. “A frota desses veículos no Brasil é de cerca de 4000 unidades, segundo a Anfavea, e é considerada pequena. E a maioria encontra-se em período de garantia, com atendimentos de assistência técnica realizados pelas concessionárias das marcas. Por isso, a procura por esse tipo de capacitação começa a aparecer, mas ainda de forma acanhada”.

No CESVI Brasil, o supervisor de Pesquisa e Conteúdo, Alessandro Rubio, conta que eles ainda não têm treinamentos para esse tipo de veículo, mas que estão constantemente abordando o tema. “A busca por mais dados sobre o setor vem do mercado segurador, com o intuito de formar e informar a sua rede de oficinas credenciadas. E o CESVI Brasil entende que esses modelos de veículos são o futuro da frota, porém ainda representam uma parcela muito pequena (65.000.000 total para 12.000 eletrificada, aproximadamente 0,0002%) da frota de passeios e utilitários no País”.

Vice-presidente do Sindirepa-ES, Wilmar Barros Barbosa, diz que a parceria com o SENAI do Espírito Santo tem proporcionado qualificação e conhecimento. “A escola tem um curso específico de técnico automotivo e com isso nós ganhamos muito em qualificação e conhecimento destas tecnologias. E há mais de três anos estamos discutindo estas tecnologias, com palestras e participando de feiras. Ainda neste ano nós queremos ter um modelo de  treinamento exclusivo da tecnologia de elétricos”.

E treinamentos e palestras que acontecem em parceria com fábricas e montadoras. “Exatamente para compartilhar conhecimento sobre os modelos de veículos e tecnologias que não conhecemos, o Sindirepa-ES tem tudo isso e muito mais para todos que nos procuram e fazem parte do sindicato”.

Gestor da Rede Ecocar, Lorenzo Piccolli, informa que eles têm feito palestras para os membros da rede, que hoje soma 85 oficinas. “Mas a demanda ainda é muito pequena para poder ter um investimento e profundidade. Por isso, nós preferimos focar em conhecimentos que estão mais pertinentes no dia a dia das oficinas, como a injeção direta e a própria questão do câmbio automático, demandas mais necessárias de capacitação, do que levar conhecimentos dos híbridos e elétricos, que elas não usarão agora”.

Na opinião de Alexandre Costa, diretor da Alpha Consultoria, muito pouco foi feito e há ainda muito por fazer. “Digo isso porque a tecnologia da eletrificação veicular é disruptiva, o que indica a necessidade de um novo aprendizado. Não estamos falando de algo que é complementar ao conhecimento que já dominamos, mas sim de uma nova área de conhecimento, muito mais densa tecnicamente, o que cobrará dos técnicos daqui em diante um nível de formação acima do estágio atual”. 

O que também vai exigir investimento em novos equipamentos, ferramental, equipamentos de segurança e de novos conteúdos. “A eletrificação veicular não é algo com o qual estamos prontos para trabalhar, muito menos será possível aprender no veículo, conforme ocorreu com outras tecnologias, por exemplo. O uso de alta tensão e o maior nível de complexidades dos veículos exigirão um conhecimento antecipado do sistema, o cumprimento de normas de segurança e a aquisição de ferramentas específicas e equipamentos de proteção para realização de serviços”.  

Segundo ele, o correto é iniciar o quanto antes esse novo aprendizado. “Mesmo que a opção do empresário seja por não trabalhar com esse tipo de veículo, afinal mesmo ações rotineiras como um simples socorro mecânico ou reboque vai exigir o domínio de procedimentos específicos, sob o risco de se não cumpridos podem ocasionar danos ao sistema eletrificado do veículo ou mesmo um acidente com possibilidade de choque elétrico”.

Lorenzo Piccolli diz que devido à diversidade das oficinas e a independência delas, umas podem estar mais preparadas que outras, buscando conhecimento adicional por conta própria. “A gestão da rede em si deu algumas noções sobre veículos híbridos e a Tecnomotor adquiriu um Fusion híbrido em 2012. Já fizemos o diagnóstico do scanner, mas a manutenção propriamente dita ainda está em um nível pequeno. Pode ter oficinas que se especializaram e estão com um diferencial, mas muito por mérito delas mesmas”.

O professor João Domingos afirma que, historicamente, a reparação automotiva sempre acompanhou a evolução tecnológica do segmento. “Cabe lembrar o momento da entrada da injeção eletrônica, no final da década de 1980 e início da década de 1990. Foi assim naquele momento e provavelmente será assim no processo da eletrificação. O aumento da frota de veículos eletrificados ocorrerá progressivamente e nessa medida o setor de reparação também se capacitará. Por isso, ficar de olho nas tendências pode ser uma boa estratégia para as empresas da reparação”.

Na reparabilidade, Alexandre Costa comenta que num veículo híbrido ou elétrico, mesmo que seja exigindo do reparador um novo nível de conhecimento a respeito de seus principais componentes e de suas estratégias de funcionamento, o sistema eletrificado do veículo não possui um plano de manutenção específico. “Muito pelo contrário, seus componentes não sofrem desgaste e sequer são submetidos a condições severas de uso. Isso se traduz em necessidade zero de manutenção”. 

Além disso, estes veículos possuem nível de eficiência tão elevado que não necessitam de sistemas auxiliares, de lubrificação ou arrefecimento. “A exceção fica por conta do inversor que por liberar grande quantidade de calor, possui um sistema de arrefecimento dedicado, mas seu fluido possui elevada vida útil. Então, em nada muda o contexto da manutenção programada indicada para itens de desgaste do sistema de suspensão e pneus que são similares a veículos comuns”. 

 E, ainda, no sistema de freios o desgaste torna-se menor devido à resistência que o próprio motor elétrico gera em desacelerações, o que aumenta a vida útil dos componentes. “Em alguns casos, para veículos 100% elétricos, limite de troca pode ser estender por mais de 100 mil km”, especifica.

O professor João Domingos Chiari Sanchez destaca como principal mudança a segurança. “Os veículos elétricos e os híbridos possuem circuitos elétricos de tensão e corrente elétrica disponível bastante elevados. Embora eles possuam sistemas de proteção que entram em ação em casos de ocorrências e sinistros, o profissional precisa ser capacitado para conhecer as configurações desses veículos e, principalmente, os procedimentos de segurança”. 

Nesse sentido, o SENAI também já formatou um programa de treinamento para profissionais que atuam em serviços de resgate e o próximo público para essa capacitação sobre segurança em manutenção de veículos elétricos será o dos profissionais do segmento de reparação de carrocerias. “Outro aspecto a ser destacado a respeito da reparabilidade dos veículos elétricos é a redução do número de componentes, o que progressivamente irá promover mudanças na cadeia produtiva automotiva, bem como de serviços”. 

Alguns componentes deixam de existir e outros passam a integrar os veículos, tais como: motores elétricos de propulsão, inversores de frequência, baterias de alta capacidade, etc. “Embora, o propulsor elétrico pareça ter construção relativamente mais simples e com menor número de componentes, a complexidade, especialmente dos sistemas de controle, e os cuidados de segurança são maiores”. 

Outra característica mencionada por ele é que os veículos além de eletrificados estão se tornando cada vez mais conectados e autônomos. “Sendo assim, os profissionais precisarão se desenvolver no sentido de dominar essas tecnologias, incluindo as novas técnicas de diagnóstico e reparo. Conhecimentos sobre a Internet da Coisas (IoT), Computação em Nuvem, Big Data, que cada vez mais farão parte do cotidiano dos profissionais do segmento automotivo”.

Para Alessandro Rubio, “os principais fatores são as altas tensões das baterias e os cuidados que o operador deve ter ao manusear o veículo na oficina. Além, é claro, das novas tecnologias que vêm agregadas a esse tipo de veículo, que exigem novos conhecimentos para operar e reparar”.

Na opinião de Wilmar Barros Barbosa, os veículos elétricos trazem uma grande mudança de conceito e tecnologia. “Nos elétricos nós temos um rendimento de até 98%, enquanto nos mecânicos é muito difícil chegarmos a 35%. E vários itens de manutenção de veículos mecânicos ainda se mantêm em grande parte, porém, a manutenção terá que ser associada aos eletricistas. Podemos ter algumas dificuldades no início, mas nada que não conseguiremos superar”. 

“Estes veículos têm complexidades na parte de alta voltagem que podem causar danos ao reparador, ele precisará ter toda uma adequação para atender esses carros”, afirma Lorenzo Piccolli, e como ele bem diz, as oficinas têm enfrentado todas as evoluções tecnológicas, como foi com a injeção eletrônica, a injeção direta, as tecnologias, airbag, ABS, e esta será mais uma barreira a ser enfrentada. “Claro que tem uma questão importante, que é a segurança, mas não é diferente do airbag, que é um item que tem um risco e hoje as oficinas atendem esta demanda e vão se adequando”. 

Além da capacitação dos profissionais, que precisarão seguir rigorosamente as normas e procedimentos de segurança, o professor João Domingos Chiari Sanchez, comenta que as oficinas precisarão adequar sua infraestrutura. “Para  criar postos de trabalho com acesso restrito aos profissionais habilitados, utilizando materiais específicos para isolamento e sinalização do ambiente, a aquisição de equipamentos para diagnóstico e medições do sistema elétrico de propulsão e controle, ferramentas específicas com isolamento elétrico, além dos equipamentos de proteção individual, entre outros”.

E, para Alexandre Costa, a principal mudança é a conscientização. “Será preciso estar atento ao fato de que as novas tecnologias de eletrificação carregam valores de tensão e corrente muita acima do gerado por sistemas convencionais, o que induz a um risco potencial de choque elétrico, que em muitos casos pode ser fatal. Por isso, o cumprimento rigoroso das normas de segurança faz-se necessário, impedindo a qualquer custo, a realização de ações intervencionistas no sistema sem o devido equipamento de segurança”.

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